No Rastro da Notícia encerra temporada com Daniela Arbex
  • 06.12
  • 2024
  • 09:00
  • Isadora Ferreira

Formação 5h3d6

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No Rastro da Notícia encerra temporada com Daniela Arbex 406p5z

No sexto episódio do podcast No Rastro da Notícia, lançado nesta quinta-feira (5 de dezembro), a escritora, jornalista e documentarista Daniela Arbex compartilha reflexões sobre o jornalismo investigativo, os bastidores de suas obras mais marcantes e os desafios da transição do ritmo frenético das redações para a profundidade das narrativas em reportagens literárias. Mediada por Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes, a conversa encerra a temporada de 2024, integrando a parceria entre a Abraji e o podcast Vida de Jornalista. 505w6m

Manchetes que envelhecem e narrativas duradouras

No episódio, Daniela Arbex reflete sobre a diferença entre o imediatismo das manchetes no jornalismo diário e a longevidade de um livro-reportagem. “Eu tive muita dificuldade para me desapegar da redação. Há um frenesi do furo [jornalístico], que é você colocar uma matéria nas bancas, colocar aquele jornal lindo com um furo que vai mexer com a sociedade toda.”

A literatura, por sua vez, não sofre com as manchetes que envelhecem. “O livro tem uma potência mais duradoura, porque a manchete envelhece muito rápido”, comenta Arbex, que ou 23 anos como repórter especial no jornal Tribuna de Minas.

Essa transição do jornalismo diário para a literatura se reflete em suas obras premiadas, que registram episódios marcantes da história do Brasil. Sua estreia, com o livro Holocausto Brasileiro, começou como uma série de reportagens no jornal Tribuna de Minas, onde Daniela era repórter. Incentivada por colegas de redação, ela decidiu transformar o material em um livro, dedicando mais de um ano de apuração adicional e indo todos os finais de semana a Barbacena, Minas Gerais, para aprofundar sua investigação. A obra de denúncia, que relata a morte de mais de 60 mil pessoas no maior manicômio do país, o Hospital Colônia de Barbacena, foi adaptada para documentário pela HBO.

Daniela Arbex compartilha como foi o processo de escrever Cova 312, obra que reconstrói a história de um militante político morto sob tortura durante a ditadura militar, e Todo Dia a Mesma Noite, que narrou os desdobramentos do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), e foi adaptado para uma série da Netflix; além de comentar sobre sua obra mais recente, Longe do Ninho, que aborda a história dos meninos vítimas do incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro. 

A jornalista e escritora destaca como esses livros permitiram que suas histórias alcançassem um público muito além do nicho jornalístico: “O Holocausto Brasileiro foi o primeiro momento em que percebi que podia conversar com leitores de todo o Brasil, não apenas com os que acompanhavam meu trabalho no jornal.” O reconhecimento nacional, segundo Daniela, seduz o jornalista e, como ela brinca no episódio, “é como uma cachaça”, descrevendo o efeito recompensador de construir narrativas que repercutem amplamente e carregam relevância social.

“Um pacto de silêncio com as fontes”

Um dos destaques do episódio do podcast foi o relato de Daniela sobre o processo de escrita de Todo dia a mesma noite, que aborda a tragédia da Boate Kiss, que resultou em 242 mortes. Durante dois anos, a autora esteve no Rio Grande do Sul apurando histórias de sobreviventes e familiares das vítimas. A escuta sensível foi essencial. “Eu disse aos pais: ‘Ninguém pode saber que estou aqui’. E eles mantiveram segredo por dois anos”, contou Arbex, sobre o pacto de confiança que construiu com suas fontes.

Embora os entrevistados tivessem mantido segredo sobre o processo de construção do livro, Arbex conta que não houve nenhum contrato de confidencialidade, algo comum em produções audiovisuais. Em um livro-reportagem, no entanto, uma escuta atenta e sensível é necessária e permite trocas de confiança, preservando a integridade dos relatos até o momento da publicação.

Durante a apuração, a escritora conta que é comum se deparar com pequenos ‘furos’ jornalísticos e, por esse motivo, foi imprescindível manter sigilo sobre sua estada em Santa Maria (RS), especialmente para que a imprensa local não descobrisse, já que o jornalismo diário prioriza a urgência da informação.

Daniela Arbex também revelou o impacto emocional desse trabalho: “Eu adoeci durante o processo. Mergulhei tão fundo que levei dois anos para voltar à superfície. Precisei entender que meu lugar não era o da vítima, mas o de privilégio por poder contar essas histórias.”

Múltiplas narrativas

No universo do jornalismo literário, a busca pela verdade exige um rigor ainda maior do que no jornalismo diário. Para a escritora Daniela Arbex, esse compromisso vai além de uma apuração meticulosa: inclui a consciência de que a narrativa é composta por diferentes olhares, muitas vezes divergentes. “A visão das pessoas para o mesmo fato é diferente. Um pai e uma mãe podem ter interpretações opostas do mesmo acontecimento. É preciso respeitar esses olhares”, reflete.

No contexto do livro-reportagem, a responsabilidade cresce, já que corrigir um erro não é tão simples quanto em uma matéria jornalística. “Corrigir uma informação errada numa matéria é algo imediato, mas ,em um livro, você precisa esperar uma reimpressão. Isso marca; e nada é mais terrível do que errar em um livro”, afirma Daniela. Para evitar equívocos e assegurar a precisão, ela desenvolveu o método de realizar leituras dos capítulos com as fontes antes da publicação.

Do livro ao audiovisual

“O livro é muito duradouro e te abre portas que eu desconhecia que eu podia ar, por exemplo, do audiovisual, que aí é a chance de você falar para muito mais pessoas. Porque no final das contas, o que o jornalista quer? ー Ele quer ser lido, quer que a sua história toque as pessoas. Então, de repente, você vê que em outros formatos a sua história está tocando pessoas fora do Brasil”, conta Arbex ao se referir à obra Todo dia a mesma noite, que virou série na Netflix e teve repercussão internacional. Ela acrescenta: “O audiovisual está faminto por histórias. Se você é um bom contador de histórias, terá relevância em qualquer plataforma”, afirmou.

E para encerrar a primeira temporada da série No Rastro da Notícia, Daniela Arbex compartilhou uma reflexão sobre os desafios e as recompensas da profissão: “Essa profissão é muito nobre e digna. Precisamos valorizá-la.”

A série No Rastro da Notícia faz parte do Jornalismo sem Trégua, uma iniciativa do Programa Tim Lopes, da Abraji. Além dos episódios disponíveis nos tocadores de áudio, e também os conteúdos do Jornalismo sem Trégua nas redes sociais da Abraji que, além do podcast, também realiza transmissões ao vivo. 

Ouça agora o episódio final da temporada no Spotify e nas principais plataformas de áudio. 

Ouça também os episódios anteriores.

 Abraji